Para os que desejam compreender melhor (de fato, trata-se de questão complexa, o 5 x 5 não é à toa) o impasse relativo à admissão ou não do recurso de embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal e buscam maiores informações para se posicionar acerca do assunto, que está na ordem do dia e que deverá nos mobilizar na próxima quarta-feira, quando o Ministro Celso de Mello proferirá o seu voto, sugiro a leitura dos seguintes artigos, de autoria de dois grandes juristas, José Afonso da Silva (SIM) e Lenio Luiz Streck (NÃO):
José Afonso da Silva
O STF deve aceitar os embargos infrigentes?
SIM
Questão de direito
O processo da ação penal 470 (mensalão) é complexo e controvertido, dada
a quantidade e qualidade das pessoas envolvidas. Sua forte carga
política produz visões emotivas e até apaixonadas, incompatíveis com um
juízo de valor objetivo. Difícil saber se as condenações foram justas,
quando não se tem acesso aos autos do processo.
Por isso, só entro nesse cipoal agora porque se trata apenas de questão
de Direito, quanto a saber se cabem ou não embargos infringentes. Um
pouco de história pode ajudar solucionar a dúvida.
A Constituição de 1969 dava competência ao Supremo Tribunal Federal para
regular, em seu regimento interno, o processo e julgamento dos feitos
de sua competência originária, o que ele fez no seu título IX, incluindo
os embargos infringentes, quando existirem, no mínimo, quatro votos
divergentes (art. 333, parágrafo único).
A Constituição de 1988 não repetiu essa competência, daí a dúvida se
assim mesmo ela recepcionou aqueles dispositivos do regimento. O próprio
Supremo admitiu essa recepção, pois continuou a aplicar aqueles
dispositivos regimentais.
A fundamentação é simples. A Constituição dá ao Supremo a competência
originária para processar e julgar infrações penais de certos agentes
políticos (art. 102, I, b e c). Quem dá os fins dá os meios, tal a
teoria dos poderes implícitos. Os meios à disposição eram as regras do
regimento interno, até que viesse uma lei disciplinando a matéria.
Aí é que entra a lei nº 8.038/1990, que disciplinou os processos de
competência originária do Supremo, entre os quais o da ação penal
originária. Daí a controvérsia sobre se essa lei revogou ou não a
previsão regimental dos embargos infringentes. Expressamente não
revogou, porque lei revoga lei, não normas infra legais, como as de um
regimento. A questão se resolve pela relação de compatibilidade.
Há quem entenda que não há compatibilidade porque não cabe ao regimento
disciplinar matéria processual, quando não previsto expressamente na
Constituição. É certo. Mas aquela lei não regulou inteiramente o
processo da ação penal originária. Só o fez até a instrução, finda a
qual o tribunal procederá ao julgamento, "na forma determinada pelo
regimento interno" (artigo 12). Logo, se entre essas "formas" está a
previsão dos embargos infringentes, não há como entendê-los extintos,
porque, por essa remissão, eles se tornaram reconhecidos e assumidos
pela própria lei.
Além do mais, a embasar esse entendimento existe o princípio da ampla
defesa com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV).
A aceitação dos embargos infringentes pode gerar mudança do resultado do
julgamento de algum dos crimes, especialmente tendo em vista a presença
de dois novos ministros. Não parece possível a absolvição total, porque
os embargos se atêm às divergências que são parciais. Poderá haver
diminuição de pena. Contudo, o fato de ministros admirem os embargos não
significa necessariamente que os julgarão procedentes com alteração do
mérito das condenações.
Enfim, a questão ainda não está resolvida, porque falta o voto de Celso
de Mello, grande ministro, sério e competente. Sua história tende à
aceitação dos embargos, pois sempre defendeu as garantias dos acusados.
Seu voto, qualquer que seja, terá grande repercussão política. Ele sabe
disso, mas não teme.
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